sexta-feira, 18 de março de 2011

Separar-se


"É sabida a dor que advém de qualquer separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e que acreditaram um dia na eternidade desse sentimento. A dor-de-cotovelo corrói milhares de corações de segunda a domingo - principalmente aos domingos, quando quase nada nos distrai de nós mesmos -, e a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas.

Acostumada com essa visão dramática da ruptura, foi com surpresa e encantamento que li uma descrição de separação que veio ao encontro do que penso sobre o assunto, e que é uma avaliação mais confortante, ao menos para aqueles que não se contentam em reprisar comportamentos-padrão. Está no livro Nas tuas mãos, da portuguesa Inês Pedrosa.

'Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até os limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade.'

Ela continua:

'A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal.'

Calou fundo em mim essa declaração, porque sempre considerei que a separação de duas pessoas precisa acontecer antes do esfacelamento do amor, antes de iniciarem as brigas, antes da falta de respeito assumir o comando. É tão difícil a decisão de se separar que vamos protelando, protelando, e nessa passagem de tempo se perdem as recordações mais belas e intensas. A mágoa vai ganhando espaço, uma mágoa que nem é pelo outro, mas por si mesmo, a mágoa de reconhecer-se covarde. E então as discussões se intensificam e quando a separação vem, não há mais onde se segurar, o casal não tem mais vontade de se ver, de conversar, querem distância absoluta, e aí configura-se o desastre: a sensação de que nada valeu. Esquece-se do que houve de bom entre os dois.

Se o que foi bom ainda está fresquinho na memória afetiva, é mais fácil transformar o casamento numa outra relação de amor, numa relação de afastamento parcial, não total. Se o casal percebe que está caminhando para o fim, mas ainda não chegou ao momento crítico - o de tornarem-se insuportavelmente amargos -, talvez seja uma boa alternativa terminar antes de um confronto agressivo. Ganha-se tempo para reestruturar a vida e ainda preserva-se a amizade e o carinho daquele que foi tão importante. Foi, não. Ainda é." (A Separação Como um Ato de Amor, Martha Medeiros, Doidas e Santas, L&PM Editores, com cortes)